Fonte : Jornal Opção –
O decreto presidencial nº 8.497, que dispõe sobre a criação do Cadastro Nacional de Especialistas, acaba de ser publicado e já promete se tornar o mais novo embate entre o governo e as entidades médicas.
Isso porque, segundo o ex-presidente do Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) e atual conselheiro do Conselho Federal de Medicina (CFM), dr. Salomão Rodrigues, na prática, acaba com a necessidade de uma formação de qualidade para especialistas médicos. “O Mais Especialidades [programa do governo federal a ser lançado] é um engodo semelhante ao Mais Médicos. Mais uma agressão à classe médica e à população brasileira”, lamenta.
De acordo com o texto, o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação adotarão o Cadastro Nacional de Especialistas como “fonte de informação” para a formulação das políticas públicas de saúde destinadas a “subsidiar o planejamento, a regulação e a formação de recursos humanos da área médica no Sistema Único de Saúde (SUS) e na saúde suplementar”.
Além disso, o governo quer dimensionar o número de médicos, bem como a especialização destes, áreas de atuação e a distribuição no Brasil, sob a justificativa “de garantir o acesso ao atendimento médico da população brasileira de acordo com as necessidades do SUS”.
Nas especificações sobre as competências do conselho, destacam-se: “Propor a reordenação de vagas para residência médica”, “registrar os profissionais médicos habilitados para atuar como especialistas no SUS” e “conceder estímulos à formação de especialistas para atuação nas políticas públicas de saúde do País e na organização e no funcionamento do SUS”.
Em nota divulgada na última sexta-feira (7/8), entidades médicas nacionais (entre elas a Associação Médica Brasileira, Conselho Federal de Medicina e Associação Nacional dos Médicos Residentes) criticam a decisão e afirmam que as medidas representam uma “interferência autoritária por parte do Poder Executivo” na capacitação de médicos especialistas no País, “caracterizando-se, mais uma vez, pela ausência de diálogo com os representantes das entidades médicas, das universidades e dos residentes”.
A questão
Atualmente, para que um médico se especialize em Cardiologia, por exemplo, são necessários quatro anos de formação. O estudante tem que perfazer cerca de 60 horas semanais, o que, em um ano, chegaria a algo em torno de 12 mil horas totais para que ele tenha autorização do Conselho Federal de Medicina (CFM) para validar o título de especialista.
Segundo dr. Salomão Rodrigues, a carga horária das especializações médicas varia entre 9 a 12 mil horas. Com o decreto do governo federal, abriria-se uma brecha para um novo tipo de “médicos especialista”: os que tenham apenas pós-graduação lato sensu. “Médico que fizer 360 horas de curso, no qual são apenas aulas teóricas, estaria habilitado a exercer alguma especialidade sem nenhuma prática”, critica ele.
De fato, a própria nota divulgada pelas entidades médicas afirma que já estão desenvolvendo todos os esforços para impedir os “efeitos deletérios” do decreto.
“Os quais determinam mudanças no aparelho formador de especialistas, com destruição do padrão ouro alcançado pela Medicina do País, após quase seis décadas de contribuições das entidades e da academia, em detrimento do nível de excelência do atendimento oferecido pelos médicos brasileiros, reconhecido internacionalmente”, versa o texto.
Como o decreto não trata, claramente, de qual será o órgão competente para comandar o Cadastro Nacional de Especialistas (o texto sugere que ficará sob os cuidados do MEC e do MiS), o conselheiro federal acusa o governo de estar “burlando” o próprio governo. “Historicamente, qualquer registro de graduação, pós ou especialização é feito no Ministério da Educação. Com o decreto, permite-se que seja feito diretamente no Ministério da Saúde”, alerta.
Com isso, dr. Salomão Rodrigues sustenta que Comissão Nacional de Residência Médica, que é parte do MEC, perderá seu poder de controle e passará a haver dois tipos de médicos especialistas no Brasil: “O verdadeiramente especialista e o outro, ‘falsamente’, que vai por em risco a saúde da população brasileira”.