AMG ENTREVISTA
Fevereiro Roxo: “ter vida social é um fator de proteção para doença de Alzheimer”, afirma especialista.
Neste mês, quando é celebrado o Fevereiro Roxo, em alusão a conscientização sobre o Alzheimer, a Associação Médica de Goiás apresenta aos colegas e toda a comunidade, uma entrevista exclusiva com o Dr. Leonardo Caixeta, neurologista e psiquiatra, professor e coordenador do CERNE (Centro de Referência em Neurologia Cognitiva e Neuropsiquiatria) do Hospital das Clínicas da UFG, para falar um pouco sobre essa doença que atinge cerca de 60-70% dos 55 milhões de casos de demência no mundo.
Na conversa, Dr. Leonardo conta sobre suas experiências em consultório, inclusive com pacientes muito novos. “Já tive paciente com 29 anos. Muito novo”, pontua o especialista, fazendo referência à notícia de um paciente chinês que, aos 19 anos, se tornou o paciente mais jovem do mundo a desenvolver Alzheimer.
Confira a entrevista completa:
Como funciona as Doenças neurológicas e seus desenvolvimentos?
“A maior parte destas doenças degenerativas complexas são poligênicas, não sendo, portanto, responsabilidade apenas de um gene, existindo assim outros fatores de risco que podem contribuir na gênese da doença. Além disso, com o advento da Epigenética, ampliamos nosso conhecimento de que o arcabouço genético particular de cada indivíduo pode ser ativado de acordo com determinadas exposições do ambiente. A Epigenética representa um conjunto teórico muito em voga na atualidade, foi desenvolvida recentemente, nos últimos 10 anos, mostrando basicamente que, você às vezes é portador de um arcabouço genético programado para desenvolver determinada doença, mas existem outros fatores de risco que colaboram para ligar o gene que ainda está silencioso.
A Epigenética é relativamente bem estudada na doença de Alzheimer, doença degenerativa com fatores de risco bem conhecidos como a idade avançada, o sexo feminino, a baixa escolaridade, a deficiência auditiva (não corrigida), o histórico familiar, traumatismos cranianos graves, a exposição a determinados agentes (desde aqueles já consagrados – como o álcool e o tabaco – até aqueles menos comprovados – como o alumínio e banha de porco – ainda não devidamente pesquisados e sob judice). Alguns desses fatores são especialmente interessantes ou porque são novos e acarretam muita repercussão no estilo de vida da sociedade, ou porque são muito caros à realidade brasileira, como é o caso do analfabetismo.
Temos a questão da exposição a determinados agentes anestésicos utilizados na anestesia geral, que indivíduos que são denominados de CCL (comprometimento cognitivo leve), isto é, quando existe o relato de perda cognitiva sem perda funcional na história clínica do paciente e os déficits (em um ou mais domínios cognitivos) são detectáveis pelo exame médico. Como assinalado, é importante que funcionalmente o paciente esteja muito bem, seja uma pessoa autônoma, independente, ainda não tem demência, pois no conceito de demência, um dos critérios para o diagnóstico da mesma é o funcional, ou seja, assumir que ele tem prejuízo funcional ou perda da autonomia. Nos indivíduos com CCL, é mandatório que sejam alertados sobre o risco de conversão para doença de Alzheimer, caso sejam submetidos a anestesia geral. Decorre daí uma nova orientação no mundo médico, que é evitar cirurgias eletivas (que não sejam imprescindíveis) em idosos que estejam nessa categoria de comprometimento cognitivo leve, pelo risco da exposição a um fator que pode acarretar uma doença tão devastadora como o Alzheimer”.
Quais são os Fenômenos da atualidade que podem avançar o desenvolvimento desse tipo de doença?
“Evocando um ponto delicado que demanda muita cautela na atualidade: o fenômeno das cirurgias plásticas em idosos, muitas vezes um modismo, especialmente no Brasil, um dos campeões mundiais em cirurgia plástica, infelizmente executadas em algumas situações até por não-médicos. Com essa nova descoberta de que determinados agentes anestésicos usados em cirurgia geral podem ocasionar a transformação de CCL para Alzheimer em idosos susceptíveis, os médicos precisam estar atentos na indicação de procedimentos dessa natureza para essa população de risco.
A anestesia geral foi correlacionada com a doença de Alzheimer (DA) pela promoção da agregação e oligomerização aumentadas do peptídeo Aβ e hiperfosforilação da proteína tau que são proteínas específicas ligadas à DA, motivo pelo qual anestésicos inalatórios e com gases halogenados associam-se a risco maior de demência.
Sobre a questão do alumínio é mais complicada porque, como foi dito anteriormente, é um dado que não foi comprovado, uma vez que os estudos não conseguiram replicar essa hipótese de que a exposição continuada ao alumínio pudesse estar associada à doença de Alzheimer. Infelizmente, esse achado suscitou um comportamento preventivo e a divulgação equivocada e intempestiva de não se usar panela de alumínio para fazer comida. Isso não tem base científica até o momento.”
Na nossa sociedade atual, quais são principais fatores de risco?
“A baixa escolaridade representa um dos principais fatores de risco para o aumento da incidência de doença de Alzheimer. O idoso, não obstante o fato de que ele já é um isolado do ponto de vista de cultura da terceira idade, ainda teve que sofrer o impacto adicional do distanciamento social orientado em tempos de pandemia. Sobretudo porque nós sabemos que um dos fatores que protege o idoso para não desenvolver ou pelo menos retardar o surgimento da doença de Alzheimer é justamente a vida social ativa. Então, os idosos menos vulneráveis, digamos assim, à doença de Alzheimer, são idosos que tem vida social intensa. Em outras palavras, ter vida social é um fator de proteção para doença de Alzheimer.”
Como são e quais são os cuidados e os impactos na vida familiar de alguém que tem a doença de Alzheimer?
“Eles vão muito além dos cuidados físicos, existindo abordagens culturais e familiares que precisam ser consideradas. O fato de que latino-americanos asilam seus parentes idosos portadores de demência ou Alzheimer menos que os europeus, está muito ligado ao cultivo que desenvolvemos aos laços familiares e à noção de família sempre coesa. Em nosso serviço de demências aqui do Hospital das Clínicas da UFG – o Centro de Referência em Neurologia Cognitiva e Neuropsiquiatria – registramos apenas três casos de asilamento/institucionalização permanente dentro de um universo de 3000 pacientes atendidos. As raras famílias que não conseguiram prestar os cuidados necessários em casa os encaminharam para institucionalização permanente. Comparando com a Noruega, por exemplo, país citado como o mais civilizado do mundo, a taxa de institucionalização permanente é ao redor de 95%, uma questão que diz respeito às particularidades culturais de cada povo.
O cuidado não é fácil, sobretudo em algumas formas de demência que geram mais desgaste ao cuidador, sobretudo quando se associam alterações graves do comportamento social e sexual. O conceito atual não é do Alzheimer como uma doença única. Ocorrem muitas variantes e existem subtipos de Alzheimer em que o paciente não é tranquilo, não obedece, se agita, não dorme, agride os cuidadores, perturba a serenidade do ambiente. Nesses casos, o nível de dependência funcional é extremo, sacrificando muito a saúde mental do próprio cuidador ou familiar. Alguns casos não conseguem se alimentar sozinhos, não conseguem se vestir sozinhos, não conseguem executar absolutamente nenhuma atividade básica de forma independente e, além disso, ainda não dormem a noite. Veja o impacto disso numa família, uma vez que se ele não dorme a noite, a família também não irá dormir.”
E o cuidado do estado nisso tudo, onde fica?
“No estado de Goiás existe um único centro de referência especializado em demências – o CERNE. O governo brasileiro não dá nenhum tipo de auxílio para as famílias que cuidam dessas pessoas. Representa um ônus muito grande, para famílias mais carentes, para famílias que precisam desistir de trabalhar para cuidar de entes vitimados pela doença, pois o cuidado de uma pessoa com Alzheimer pode chegar a ser diuturno, sete dias por semana”.
E como funciona o CERNE e como ele ajuda?
“O CERNE, constitui um centro de excelência na assistência, na pesquisa e no ensino relacionados às demências de forma geral e a doença de Alzheimer em particular. É um centro exclusivamente especializado na assistência e tratamento das demências e doença de Alzheimer entre a população carente, existente já há 20 anos, portanto pioneiro no Centro-Oeste brasileiro. É um centro dentro de uma universidade pública federal e por isso mesmo contamos com pouquíssimos recursos. Fazemos todo esse acompanhamento, mas com dificuldades, por exemplo, de pessoal técnico e de medicação. Nós não temos uma farmácia que seria desejável para distribuir a medicação gratuitamente.
Sendo o CERNE também um centro de pesquisas, existem trabalhos em andamento em parceria com outros países, como a Alemanha (sobre a detecção de biomarcadores da doença de Alzheimer) e os Estados Unidos na Universidade da Califórnia em São Francisco. Um estudo único no mundo, conduzimos estudos de prevalência de doença de Alzheimer entre indígenas de aldeias Karajá, como também entre os quilombolas Kalungas na Chapada dos Veadeiros. Então, além de cuidados, de pesquisas, o CERNE também é um local de ensino, pois está conectado a uma universidade federal, onde se formam alunos de mestrado, doutorado, residentes e outros, profissionais que estarão sendo capacitados para trabalhar e pesquisar sobre a epidemia da doença de Alzheimer”.
Como Alzheimer é visto na nossa cultura atual?
“Às vezes o público leigo nutre uma visão romântica, uma visão adotada em filmes que eventualmente escolhem um determinado estereótipo ou recorte da doença. Por exemplo, ‘Para Sempre Alice’ vende a mensagem de que a vítima tem crítica da própria doença, o que não é verdadeiro na maioria dos casos. Além disso, a personagem exibe poucos sintomas, e no geral é muito bem organizada em seus pensamentos e comportamentos, muito adequada, novamente um recorte que não necessariamente retrata a realidade da maior parte dos pacientes. Tem que se tomar muito cuidado com a dramatização nesses aspectos, sendo algo positivo tratar do assunto, mas não levar o que se expõe ali como uma regra geral”.
Agradecimentos Finais.
A Associação Médica de Goiás agradece ao tempo que o Dr. Leonardo Caixeta nos cedeu para que fosse possível esse contato, e a mensagem que fica disso tudo para todos, é que devemos nos cuidar, devemos nos prevenir, e nos socializarmos, pois “Out of your vulnerabilities will come your strength.” – Sigmund Freud