or André Luiz Braga – Diretor Geral Hospital Alberto Rassi – H.G.G.
Membro Comissão Saúde Ocupacional S.B.A.
O Centro Cirúrgico, por suas particularidades e características, constitui uma das unidades mais complexas do ambiente hospitalar; sofrendo consequências dos equipamentos e da tecnologia disponível, da variação intrínseca nos seus principais processos, de uma complicação logística para o suporte de seu funcionamento e, principalmente, pelo risco de morte sempre presente.
Durante os últimos anos, o gerenciamento dos centros cirúrgicos brasileiros vem enfrentando diversos problemas. A rara aplicação das ferramentas de excelência na revisão de processos e a inexistência do hábito de medir a qualidade na cultura organizacional resultam em queixas primárias de atrasos no início da cirurgia, suspensões por falta de materiais, deficiência no preparo do paciente, desaparecimento de exames, falta de sangue, falta de vagas no CTI e equipamentos quebrados.
Todos esses transtornos poderiam ser minimizados pela adequação das instituições de saúde aos padrões internacionais de acreditação hospitalar, que têm como base políticas e procedimentos estabelecidos e aprovados pelos diversos atores envolvidos, além de atender os direitos do paciente e dos familiares. Envolvem ainda todo o planejamento, a avaliação e o monitoramento do cuidado até a alta, incluindo o pré, trans e pós-operatório. Todos estes processos são importantes para entendermos os modelos de gestão nas mais diversas organizações de saúde.
No Centro Cirúrgico a importância da assistência sistematizada assume papel primordial. Na atualidade a organização do processo de trabalho no Centro Cirúrgico passa sempre pelo Médico Anestesiologista. Portanto, este profissional deve buscar a capacitação constante, pois o mesmo para ser um bom gerente e administrador tem que conhecer na essência o funcionamento do Centro Cirúrgico. O Gestor no Centro Cirúrgico deve conhecer a respeito do funcionamento de equipamentos, novas tecnologias, prevenção e controle de infecção hospitalar, domínio sobre os mais variados tipos de cirurgia, administração de recursos humanos e materiais. Além disto, tem que conhecer os riscos ocupacionais existentes no ambiente de trabalho.
Associada ao elevado número de eventos adversos observados nos últimos anos, a segurança do doente tem vindo a ser reconhecida como uma área de extrema importância na gestão de todas as instalações de Cuidados de Saúde. Estatísticas demonstram que uma quantidade significativa de eventos adversos que ocorrem nestas instalações são associadas a falhas na constituição de estruturas e processos destas unidades, assim como de uma utilização inadequada de tecnologias de saúde. Com a necessidade da implementação e melhoria de uma cultura de segurança a nível institucional, tem-se verificado que a origem destes eventos adversos não vem apenas do utilizador, mas também de uma estruturação inadequada das infraestruturas ou mesmo dos processos que ocorrem nas instalações das instituições de saúde. A avaliação e gestão do risco, articulada com a segurança do doente, torna-se essencial para o desenvolvimento de políticas de qualidade. Assim, entende-se por gestão do risco um processo sistemático de identificação, avaliação e definição de estratégias para diminuir ou anular os riscos, potenciais ou efetivos, de ocorrência de erros ou falhas durante a prestação de cuidados de saúde. Os fatores que afetam a segurança do doente estão relacionados com perigos associados aos problemas funcionais dos equipamentos médicos, estruturas deficientes ou degradadas e processos inadequados ou com diretrizes pouco claras.
As lideranças devem identificar os indicadores a fim de monitorar nessas diversas áreas as estruturas, processos e resultados clínicos e administrativos da instituição. Fatores simples, se não forem acompanhados com frequência, geram grandes prejuízos. Para assegurar processos confiáveis deve-se, por exemplo, manter contato permanente com o responsável pelo transporte do paciente, analisar a marcação de cirurgia com detalhamento das necessidades, garantir previamente a orientação e o esclarecimento adequados aos pacientes e familiares, e ter o preparo de sala checado por profissional responsável. As atribuições bem definidas dos membros da equipe, junto com o treinamento e a educação continuada, tendem a aperfeiçoar a utilização do centro cirúrgico de forma eficiente e segura.
Até o presente, tem-se abordado a segurança do doente através de uma análise centrada nas pessoas. O risco é associado ao fator humano da prática, responsabilizando o indivíduo que realizou a ação. Apesar de uma quantidade significativa de eventos adversos resultar, efetivamente, deste fator, ações corretivas (e muitas vezes, sanções disciplinares e/ou legais) associadas a este prisma raramente impedem ou diminuem a recorrência do evento.
Existe prova científica que relaciona este tipo de eventos adversos com falhas estruturais ou mesmo processuais. A investigação de eventos adversos não deve limitar-se a situações ou comportamentos de risco por parte do individuo responsável, mas focar-se também nas causas do evento; isto é, devem ser consideradas as falhas estruturais ou processuais latentes (resultantes da tomada de decisão dos escalões superiores da instituição), as condições e processos que possibilitaram a ocorrência do evento adverso.
Estudos fora do contexto da saúde permitiram o agrupamento das causas potencializadoras de eventos adversos, também aplicáveis nas áreas da saúde, em 10 categorias: recursos humanos, comunicação, planejamento e coordenação, formação, procedimentos, interface dos equipamentos, recursos materiais, manutenção, trabalho de equipe e percepção da situação.
Em sistemas de gestão de risco orientados para o sistema, métodos reativos são utilizados para melhorar a segurança do doente. No entanto, este tipo de avaliação depende de vários fatores. Um deles é possuir um bom sistema de notificação de eventos adversos; verificamos porém uma fraca (ou inexistente) notificação de eventos adversos, geralmente associado a medo de represálias a nível social ou profissional e a sanções profissionais ou legais. A taxa de notificação de eventos adversos é, geralmente, proporcional ao grau de cultura de segurança que existe numa instituição (ou mesmo nos diferentes serviços clínicos desta). Quando a cultura de segurança não está incutida ou não é aplicada numa instituição, a notificação de eventos adversos torna-se muito reduzida, diminuindo assim a partilha de conhecimento entre instituições(benchmarking) que permite a ação nos diversos setores, visando à redução da ocorrência de eventos adversos. As boas práticas relativas a este aspecto devem ser conhecidas e aplicadas por todos os profissionais da instituição, permitindo a manutenção de um ambiente seguro.
No centro cirúrgico, no que diz respeito aos processos, existem guias que estipulam as boas práticas a seguir para o sucesso de uma intervenção cirúrgica, a circulação de pacientes, dispositivos, pessoal do serviço clínico e resíduos de modo a diminuir o risco de eventos adversos. Nos dispositivos médicos, a classificação do risco associado a cada dispositivo é estabelecida por órgãos notificadores, e são tomadas medidas na instalação e manutenção destes em função dessa classificação. Por fim, relativamente à estrutura do centro cirúrgico, a diversificação de estações de lavagem de mãos, a manutenção de um ambiente com umidade e temperatura controlados, e sistemas de ventilação de pressão positiva ou negativa são exemplos de medidas resultantes da gestão de risco.
Uma eficiente gestão de risco no Centro Cirúrgico, na qual o Anestesiologista está devidamente inserido; é, pois, de extrema importância. O compromisso dos gestores com a liderança capacitada, a educação permanente, a valorização e integração dos profissionais e a priorização do respeito aos direitos do paciente e familiares é o caminho para a conquista da excelência na área de serviços prestados.
Assim, os serviços da instituição hospitalar (e consequentemente a própria) promovem uma melhor prestação de cuidados de saúde, menor probabilidade de eventos adversos, redução do erro médico, menor preocupação do pessoal médico relativamente a sanções disciplinares e consequentemente uma melhor prestação de serviço, redução de eventos adversos e maior satisfação do cliente.
A nós anestesiologistas restará um ambiente profissional com melhor ambiência de trabalho, maior resiliência dos colegas multiprofissionais e menos stress no dia-a-dia.
Pensemos nisto!